Entrevista a Vítor Barata
Vítor Barata é um dos apoiantes do projecto "1 Contentor de Sorrisos", com a particularidade face aos demais padrinhos e madrinhas, de estar em contacto directo com o problema diário destas crianças, uma vez que se encontra em Moçambique a desenvolver um projecto solidário. Resolvemos, por isso, fazer-lhe uma entrevista, via e-mail, que partilhamos agora convosco, para que fiquem a compreender um pouco melhor as causas que nos levaram a desenvolver este projecto!
1.O que é que o levou a deixar o seu país e seguir para Moçambique, para abraçar um projecto solidário?
A vontade de concentrar os meus esforços nas carências básicas dos mais necessitados.2.Por falar em projecto, será que nos pode esclarecer em que consiste a sua intervenção nesse país? E junto de quem está a trabalhar?
Iniciei o trabalho de voluntariado em Moçambique com as Irmãs da CONFHIC trabalhando nas suas obras sociais desde 2001. Concretamente aqui no Invinha, distrito de Gurué, província da Zambézia, (no centro norte de Moçambique) estou desde 2006. Neste momento trabalho nas secretarias da Escola Secundária e do Internato Masculino que pertencem às Irmãs Franciscanas Hospitaleiras (CONFHIC). Eu desenvolvo voluntariamente, e por iniciativa própria, o “Apadrinhamento-Directo”
http://apadrinhamento.webs.com/ . Assim, consigo prestar apoio alimentar, permitir acesso a bens essenciais e apoiar crianças órfãs em suas próprias casas através de donativos enviados pelas madrinhas e padrinhos de Portugal e de outros países. Este projecto motiva-me mais que os outros, pois está mais próximo das motivações que referi na primeira pergunta, isto é, as necessidades principais dos mais carenciados desta região muito subdesenvolvida e pobre, Invinha, distrito de Gurué, Província da Zambézia (1800km a norte de Maputo).
3.Uma vez que o nosso tema é a “Fome nos Nossos Dias”, queríamos saber o que pensa uma pessoa como o Vítor, que lida tão de perto com as pessoas de um país tão afectado pela fome e a pobreza.
Eu estou no interior rural de Moçambique, mais concretamente na alta
Zambézia, no norte. Aqui a pobreza é generalizada. A população não possui quase nenhuns bens. As casas são feitas de blocos de lama do chão, e cobertas de ervas secas, semelhantes a colmo. Quase todos são
camponeses, pois não existem empresas, nem fábricas, nem escritórios onde se possam empregar. Assim, trabalham todos numa agricultura de autosustento. Isto é, cultivam para comerem. Mas a alimentação é muito pobre, principalmente em proteínas e frutos, pouco variada. A água é um grande problema. Por ingerirem água contaminada, presentemente estamos a sofrer uma epidemia de cólera nesta localidade. Eu fui tirar uma foto ao Centro de Saúde, com muitos doentes de cólera. Não me deixaram aproximar, nem pisar o chão da zona de tratamentos, embora estejam sempre a limpá-la com cloro.
4.Em pleno século XXI, ainda se depara com muitos casos em que as pessoas não têm garantidas as suas necessidades básicas, como é o caso da alimentação?
A alimentação possível é a que obtêm da horta (a que chamam machamba). Cultivam a mandioca (um tubérculo branco), mapira (um cereal), milho, etc.
Relativamente à parte proteica da dieta, já há mais dificuldades. A principal fonte de proteínas animais talvez seja a galinha, que deixam andar à solta, para se alimentarem de insectos e sementes, dado não terem ração para lhes dar. Também se alimentam de uns peixinhos conservados em salmoura muito pequenos, a que chamam “madjembe”, mas é caro. Depois, surpreendentemente, alimentam-se de ratos campestres, que são muito apreciados. Relativamente a frutas, praticamente só existe manga, banana, papaia, pêra abacate, abacaxi, e o restante é em muito pouca quantidade. Praticamente não existe maçã, e a laranja é muito verde, pequena, ácida e
dura. Portanto a alimentação possível é esta, o que é muito pobre nutricionalmente. Quem tem algum dinheiro mais, pode comprar açúcar, sal, óleo, que são dos bens mais desejados. Por exemplo, para pagar a alguém para cavar uma horta, pode-se pagar com sal ou em barras de sabão, que é um bem muito precioso, igualmente.
5.Como se sente em relação a esse problema?
Como qualquer pessoa fico algo triste por nada poder fazer. Mas através do Apadrinhamento Directo eu tenho conseguido fundos, (donativos enviados pelas madrinhas) para comprar alguns dos bens em falta para estas famílias, principalmente para as famílias mais carenciadas, famílias sem pai, em que o pai faleceu devido ao HIV/Sida, e mãe é seropositiva ou também faleceu, os órfãos são crianças pequenas e assim ficaram em situação de vulnerabilidade agravada.
6.Como sabe, tencionamos enviar um contentor com diversos produtos para o “ Lar Arco-íris”, o que acha deste projecto e da sua importância nessa comunidade?
Nesta região, Alta Zambézia, 1800 km a norte de Maputo, a pobreza é
praticamente generalizada. A maioria das pessoas apenas tem roupa muito velha e deteriorada, rasgada, alguns andam descalços, por não terem dinheiro para chinelos. Não há emprego, apenas umas fábricas de chá. A maioria das pessoas é camponesa e vive em pequenas palhotas espalhadas pela floresta. A maioria das crianças nem tem pasta escolar, guarda os cadernos num saco de açúcar vazio, o seu pequeno-almoço pode ser apenas um pouco de mandioca seca, que vão a roer pelo caminho. Muitos, por vezes nem almoçam. Isto também se deve ao facto de a taxa de natalidade ser muito elevada, (em média 6 crianças por família), consequência de casamentos prematuros, e de não haver qualquer planeamento familiar. Os partos dão-se quase anualmente, o que é incomportável fisicamente para a jovem, que frequentemente acaba por falecer num desses partos, muitas vezes por parteiras tradicionais, dada a raridade de centros de saúde. Assim ficam muitas crianças órfãs. Outro problema desta cultura é a tradição matrilinear. Isso significa que, na morte da mãe, o pai deve abandonar as crianças aos parentes maternos (avós maternos, tios maternos, etc.). Essas crianças acabam por andar a vagabundear pois os parentes maternos já estão sobrecarregados com outras tantas crianças além das suas próprias.
7.Quais são as principais necessidades que atingem, particularmente as crianças?
Começando por uma alimentação mais rica nutricionalmente (ex.: quase ninguém consegue dinheiro para beber leite), roupas, uniformes escolares (aqui é obrigatório, calçado (pelo menos chinelos), e acaba por ser a melhor roupa da criança), materiais escolares (é frequente nem terem dinheiro para uns míseros caderninhos A5 baratos, lápis, esferográfica, lápis de cor e pasta escolar).
8.As crianças a quem irá chegar o contentor, já têm conhecimento disso? Como reagiram?
Estão com muita esperança. Já sabem os que as espera, pois recentemente, através de mim, receberam muitos donativos provenientes dum contentor de 40 pés enviado pelo Município de Vila de Rei. Esse contentor viajou os 1800 km de Maputo até aqui ao norte de Moçambique.
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